Junior Faria - top 50 da ASP, portanto surfista de primes com chances no WT - defende em um texto interessante na web que surfe não é esporte pelo aspecto subjetivo da definição dos vencedores; nele resume com admirável lucidez e precisão: "No surfe o que existe é um indivíduo que consegue acumular o maior número de pontos em um determinado período de tempo, na opinião de juízes, que traduzem em números de zero a dez suas opiniões pessoais sobre uma performance apresentada usando como base um critério subjetivo de avaliação comparativa".
Verdadeiro, com uma ressalva apenas: subjetividade no resultado não é exclusiva do surfe. Quantas modalidades ditas esportivas, muitas olímpicas inclusive, consideram critérios além da técnica, da precisão, velocidade e risco na execução de movimentos. Coreografia, música e até indumentária interferem na pontuação em algumas, por exemplo. Em outras o resultado depende de interpretações também subjetivas de regras.
Fato é que o aspecto subjetivo é parte da singularidade do surfe, de seus encantos e defeitos como espetáculo esportivo. No crescimento fenomenal que presenciamos das competições como entretenimento, a questão do julgamento é fundamental. Sempre esteve em evidência, nos últimos tempos parece mais. Será?
O hábito recente da ASP de justificar suas pontuações mais controversas sugere que a pressão sobre os juízes - que sempre houve - tem incomodado mais. Seja por nota (no Brasil) ou em entrevistas durante o evento (na França) há um esforço de convencimento. Curiosamente nessas duas ocasiões foram justificadas notas de dois brasileiros, Mineiro e Medina, mas não é perseguição. O julgamento está no centro do debate.
Essa pressão tem a ver com a melhoria dos webcasts - com as novas ferramentas fica fácil avaliar baterias - mas principalmente com as redes sociais. Não se lê mais mensagens na maioria das transmissões, porém twitter e facebook são terreno fértil para debate - ou meios ideiais. Pela vantagem de que em redes sociais o anonimato é restrito e é possível retrucar, e pela presença dos protagonistas no debate. Após Hossegor, por exemplo, o assíduo tuiteiro Kelly Slater virou notícia trocando mensagens com alguns críticos brasileiros.
É natural que KS personifique como nenhum outro o dilema do julgamento no surfe. O decacampeão motiva um debate perene sobre suas pontuações, over ou underscored, não há consenso. É o principal ícone da ASP para o bem e para o mal. Sua longevidade no topo tem aspectos distintos, é positiva pela prova de capacidade acima da média, e em especial pelo valor que agrega ao tour: seu interesse pelas competições é exemplo e inspiração. E é negativa por colocar em dúvida a credibilidade de resultados, pelas suspeitas de manipulação que remontam o início dos anos 1990.
Quem torce também se divide, entre a oportunidade de testemunhar o épico e histórico a cada ampliação de recorde, e a desconfiança ou o tédio diante de desfechos muitas vezes idênticos e previsíveis. É outro aspecto no qual Slater é exemplo: o número um é sempre alvo de questionamentos, nem sempre razoáveis.
Renato Hickel declarou em entrevista recente que a única mudança no tour que considera aceitável no momento é a troca de seeds no WT - que atualmente se baseia no World Men's Ranking e não no ranking WT. E realmente foram elogiados aqui alguns aspectos da redução da elite e do novo formato dos eventos, com 36 surfistas. Inclusive o conceito dos top 12. Mas os rounds 4 e 5 - a segunda repescagem - ainda é motivo de questionamento.
A segunda repescagem pode ter confrontos interessantes, mas a principal razão para a redução da elite era diminuir o tempo de competição, como esbravejou Bob Martinez em sua despedida.
E baterias de três competidores não tem definição de prioridade, o que às vezes causa incidentes constrangedores, como em Porto Rico/2010 e em Trestles/2011. Fred P tuitou após o desabafo de Mineiro em Trestles algo como 'surfers shouldn't have to hassle at this time of the comp', ou seja: não deveria ser preciso disputar ondas sem prioridade e arriscar interferências em uma fase tão avançada da competição.
Pessoalmente, acho que o round 4, não eliminatório, é o mais dispensável de se assistir, simplesmente por não ser definitivo. Há menos drama envolvido.
A dúvida que fica é: reduzir a elite e criar a segunda repescagem tem mesmo a ver com competição - mais oportunidade aos melhores de ampliar os limites - ou com culto a celebridade - mais tempo de exposição aos eleitos?
Como deduziu corretamente Jr Faria, o surfe pode não ser uma competição esportiva definida puramente por critérios objetivos, mas se elas existem - e são irreversivelmente interessantes - o foco é o surfe, não os surfistas. Ou não?
terça-feira, outubro 25, 2011
O subjetivo nas competições de surfe
por Gustavo Cabral Vaz | 9:33 AM
Categorias: Factuais
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