domingo, novembro 16, 2008

A consagração do surfe profissional

Desde o surgimento das competições, o calendário do surfe mundial foi naturalmente definido pelas ondas: começa na Austrália, nos meses próximos à Páscoa, e termina no inverno havaiano, ao final do ano.

Essa lógica só foi alterada durante cinco anos, na década de 1980. Quando a ASP substituiu a IPS - e Ian Cairns a Fred Hemmings - no comando do circuito mundial (1982/83), a temporada começava na metade de um ano e terminava na Páscoa do seguinte, na Austrália. Os campeonatos no Hawaii não eram sancionados e quem os disputasse perdia os pontos no ranking mundial - o que custou um título mundial a Dane Kealoha.

O primeiro campeão definido desta forma consagrou pela primeira vez um goofy-footer, o australiano Tom Carrol. Carrol teve lesões sérias durante a carreira. A disciplina e a determinação foram seus diferenciais. Sobravam exemplos no tour de que talento não bastava; Carrol conquistou dois títulos seguidos (1983 e 84) sobre veteranos como Bartholomew e Shaun Tomson, consagrando a noção de que treinamento para surfista era mais do que surfar - exigia academia.

A carreira de Carrol simbolizou os novos tempos. Em 1984, logo após o bicampeonato, ele originou um boicote contra o Apartheid - um gesto de politização do esporte que atraiu adesões, homenagens e também críticas. Em 1988, empresariado pelo polêmico Peter Mansted, assinou com a Quiksilver o primeiro contrato de um milhão de dólares do surfe profissional. No fim do ano, uma interferência tola no Pipemasters lhe custou o tricampeonato.

Nos anos 80, o surfe afastou-se da associação com o movimento hippie da década anterior, do estigma de vagabundos, de abuso de drogas. O tour era disputado em ondas das mais diversas, muitas vezes pequenas. A Europa estreou no circuito mundial, primeiro com Inglaterra e França (1983), depois Espanha (1988) e Portugal (1989).

O Hawaii só foi reintegrado ao tour em 1988; mas, com suas competições tradicionais, mesmo não ranqueadas, manteve-se como arena definitiva do esporte. E Carrol, como Gary Elkerton, manteve a reputação australiana de ampliar os limites do possível em ondas grandes.

O domínio australiano afinal foi quebrado por outro fenômeno dos anos 80 que também tinha a determinação no treinamento como diferencial: o mestre do estilo Tom Curren. Curren simbolizou a perfeição em seu tempo. Foi campeão incontestável por duas temporadas seguidas (1985 e 86); retornou como trialista em 1990 para conquistar o tricampeonato. É apontado como o surfista mais influente de sua geração, que no entanto foi rica em ídolos.

Em 1981, um jovem de 15 anos de idade - Martin Potter - estreou no tour com duas finais seguidas na África do Sul. Oito anos mais tarde, ao ser campeão mundial com ampla vantagem sobre os demais, Pottz consagrou uma técnica então inovadora no surfe: o floater.

Em 1984, outro jovem - Mark Occhilupo - tomou o tour de assalto também na África, em Jeffrey's Bay. Durante quatro anos, Occy travou duelos históricos principalmente com Curren. Não conseguiu triunfar em um circuito, para alguns, viciado. O título mundial só viria 15 anos depois, após um retorno também histórico às competições.

Imagens de Carrol, Curren, Occy, Pottz e cia correram o mundo em filmes como Blazing Boards; o advento do videocassete teve forte impacto no surfe, gradualmente encerrando uma era em que a apresentação dos filmes eram grandes eventos públicos.

No final dos anos 80, uma nova potência veio dividir espaço com Austrália, EUA e Hawaii: o Brasil. Como muitos outros países, o Brasil conheceu o surfe no pós-guerra; talvez pelo natural empreendedorismo de sua gente, integrou o circuito mundial desde a primeira edição. Em 1987, organizou enfim seu primeiro circuito nacional. No ano seguinte, Fábio Gouveia surpreendeu o mundo ao conquistar o título mundial amador em Porto Rico. Em 1989, ele e Flávio Padaratz começaram a disputar o circuito integralmente. Na década seguinte, os brasileiros provariam que haviam chegado para ficar.

Nos anos 80, o mundo, se já não era simples, atingiu novos níveis de complexidade com o fim da guerra fria e o "triunfo" do liberalismo e da globalização.

Em sociedades cada vez mais consumistas, não apenas o surfe, mas derivados como o skate e o windsurf caíram nas graças da mídia e das massas. Vôo livre, ski na neve - o conceito de esporte de aventura em contato com a natureza ganhou mercado. Surfe, aliás, passou a designar também variações como o agora popular bodyboard, desenvolvido na década anterior por Tom Morey.

O crescimento foi tamanho que era preciso fragmentar. Além do bodyboard, o revival dos longboards levou a criação de circuitos específicos - Nat Young venceu o primeiro tour mundial da categoria, em 1986. Conceitos que se firmariam na década seguinte - o free-surfer, o big rider profissional - surgiram nesse período de intensa transformação.

Em 1987, Waimea Bay sediou o primeiro Quiksilver In Memory of Eddie Aikau com ondas acima de vinte pés, vencido pelo irmão de Eddie, Clyde. A idéia de campeonatos em ondas grandes, exclusivos para convidados, gradualmente ganhou força.

O surfe profissional estava definitivamente instituído, inclusive o feminino, integrado ao tour mundial da ASP desde os anos 70. Mas, como duas décadas antes, quando acabaram-se os mundiais, clamava-se por mudanças. Criticava-se o excesso de etapas por temporada; a baixa premiação; os critérios de julgamento; e até o mérito de campeões como Damien Hardman e Barton Lynch. Era preciso definir novos rumos; na busca de soluções, o surfe tornou-se cada vez mais especializado na década seguinte.

Os anos 90 viram a divisão do circuito em dois e o surgimento de um ídolo inquestionável para direcionar os novos tempos. Ironicamente natural de um breachbreak de ondas medíocres, ele dominou - continua dominando - o surfe como ninguém antes: Kelly Slater.

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